sábado, 1 de novembro de 2008

Senhor do Pier - 1ªParte

“História escrita por um filho que relata a composição da figura do Senhor do Píer o velho marinheiro de estaleiro que é sem nunca ter sido.”

O Senhor do Píer

O velho caminhava com dificuldade pelo mato, seus pés vestindo suas gastas chinelas que se arrastavam para levantar nuvens de poeira e rolar pedrinhas. Ele olhava pelo chão coberto de grama, vinhas e pedras. Naquele caminho turvo as mãos vincadas e curvas carregavam a bengala que com pouca força apalpava o chão, revirando latas e sucatas espalhadas a sua volta. Essas mesmas mãos que anos antes desenhavam maravilhas estonteantes no papel, naquela tarde tornariam sonhos em realidade, sonhos de um vento quente no rosto, de uma água fresca do mar, de um gosto de sal na boca e de um sol amarelo na pele. Sonhos de ondas, sonhos de barcos, sonhos com a própria Iemanjá nossa senhora do mar.
O que a infância e a maturidade sonhavam e que quando adultos nunca podemos nos dar ao luxo de realizar ele procurava desenterrar das lembranças e fazer acontecer. As lembranças de sermos livres e viajar pelo mar da liberdade de nossas vidas.
Aquelas mãos montavam pequenas obras de arte, vindas dos lixos dos terrenos baldios. Lixos não, matéria-prima de tesouros, largados pela infelicidade que todos sentimos em não sermos livres. Uma pequena tampa de plástico haveria de se tornar um belo timão, um botão de roupão um bonito arreio, um tubo uma guarnição e todas as caixas de papelão do mundo daria forma aos pequenos cascos. Traineiras, pesqueiros, barquinhos e tantas outras formas que os grandes e pequenos mares podiam abrigar. O mar, que fazia velhas mãos se transformarem em novos sorrisos nos rostos dos que não precisa lembrar-se de sonhar com a bela liberdade de navegar.
Naquela tarde as coisas pelo chão pareciam ainda mais belas, elas transpiravam qualidades que os olhos destreinados não enxergariam. Os metais brilhavam mais, a madeira estava mais viva e até os eternos pedaços de plásticos pareciam querer retomar a vida que nunca tiveram. A mesma mão que catava as preciosidades do chão também coçava o queixo em dúvida do que poderia ficar melhor em determinada composição. Aqueles braços não podiam mais dar conta do peso da idade e do que viria a encontrar por ali. Eram decisões difíceis. Relegar ao relento e as intempéries tanta bela matéria prima, só pela falta de espaço

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