A proa imponente acompanhava a bela carranca orgulhosa de ser a guia para a vida adulta daquela semente de gente, que veio do filho mais velho. O mastro, de palitos de madeira leve, pintados e lixados, finos e longos, carregando com honra as velas de pano bege. Laterais erguidas com papelão, tinta e cola milimetricamente calculadas para que mesmo na verdadeira água do mar, não adernasse, indicando o caminho pelas águas da verdade e da beleza. E ao seu fim uma popa forte, timão e leme rígidos, montados com uma imaginação e vontade, na obrigação de manter o curso firme e apontar a aquela mente em formação os alferes de uma ocupada vida.
A beleza do momento da entrega de seu trabalho para alguém que representava tudo aquilo que o mar representou na vida do velho senhor do píer era um momento único, que logo em seguida foi sobrepujado por outra entrega. Foi quando o avô viu que sua pequena obra de arte trocar de mãos e de capitão.
A beleza do momento foi ultrapassada quando se neto, sangue de marinheiro urbano, desistia daquele importante símbolo da alquimia entre um avô e seu neto, entregando de bom grado e de livre escolha ao pobre menino de rua toda uma centena de horas de árdua seleção de peças e meticuloso trabalho. Dividindo um pouco de sua alegria e da felicidade que o permeava com alguém que merecia. Estimulando a imaginação e mostrando a direção da liberdade e da verdade a alguém que nunca foi dado o direito de sonhar.
O avô, com olhos cheios de lágrimas como se marejados de gostas do mar, sorriu e descobriu que tudo aquilo valeu a pena, o seu esforço, o seu árduo tempo de artesão transformados em um único gesto. Seu neto agora era um homem bom, que nem mesmo a força do grandioso mar poderia desviar do caminho dos justos. Depois de tanto anos ele aprendeu que o temos nas mãos o mar pode facilmente tirar, mas o que carregamos dentro de nosso coração podemos apenas dar.
André Dembitzky
sábado, 1 de novembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário